Capítulo 11 - A gota de água
Foi mais do que podia aguentar. Todo o dia tinha sido um tormento, um vai e vem de itinerários e emoções: exaltações, surpresas desagradáveis e eventos que não compreendia, mas agora que estava em casa e via o pai e a mãe aflitos, à volta do relógio e com o telemóvel na mão, foi mais do que podia aguentar.Toda a fúria e toda a raiva desapareceram, dando lugar ao vazio que a tomou de assalto.
David tinha desaparecido. Tinha-se ido embora, ao que parecia, tinha-a abandonado sem uma palavra de consideração, uma explicação. Agora, só lhe restava uma imensa tristeza que se abatia sobre ela como uma onda. Não era só o desaforo e a decepção. Finalmente tomava consciência, ao ver os pais e não o noivo como de costume em sua casa, que o seu amor, o seu companheiro, a deixara. A vida que construíra e planeara de forma intensa ao longo dos últimos 3 meses fora inesperada e brutalmente suprimida, sem qualquer aviso prévio. Naquele momento, não era a traição o que mais lhe doía: acima de tudo sentia-se como se tivesse sido esvaziada de conteúdo e não sabia o que fazer à sua vida, porque já não era capaz de a imaginar sem ele.
Começou a chorar baixinho um choro sem lágrimas. Sentia-se tão triste! O choro sem lágrimas desembocou num soluçar que desaguou num pranto sonoro, muito aflitivo para os pais que o presenciavam.
Deixou-se escorregar para o chão onde ficou sentada a carpir a sua dor, enquanto recusava o ombro do pai e o colo da mãe, pedindo só que a deixassem. Aos poucos foi cedendo aos braços da mãe, que mandou sair o pai, e aí ficou até saciar a tristeza e achar que não conseguia chorar mais.
Depois, levantou-se e foi lavar a cara. Quando voltou, disse meiga mas firmemente aos pais que estava bem e agradecia muito o seu apoio, mas que agora queria estar sozinha. Sem lhes deixar qualquer alternativa, prometeu que telefonaria de manhã.
Eles saíram e Clara explicou a si mesma que o David era um monte de merda, que não a merecia e ela sem sombra de dúvida era capaz de arranjar outro bem melhor que ele e sem grande esforço, até.
Não conseguia, no entanto, deixar de pensar como era curiosa a expressão “partir o coração de alguém”, porque era exactamente assim que se sentia ela com aquela dor tão aguda e localizada no peito.
Chorou até adormecer de madrugada, no sofá.
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"A vida é feita de pequenos momentos, muitos desses passados a escrever algo!", diria alguém certa vez... Passaram a correr estes dois anos, com outras escritas, embora sempre com uma palavra amiga a estes nossos amigos nas longas conversas que temos. Sim, já era tempo de deixarmos que as vidas de Clara, David, Bettencourt e companhia limitada seguissem o seu rumo. Your turn!