segunda-feira, agosto 09, 2004

Capítulo 3 - As comadres

O que a cativara nele não foram os seus olhos verdes, nem o seu porte atlético que as amigas invejavam. Foram pequenas coisas, pequenos gestos insuspeitos de franqueza, frontalidade e humor, coisas que Ana preservava acima de tudo e que achava incompatíveis com a tendência irritante que alguns homens adquiriam com o passar do tempo de coleccionar mulheres, dar-lhes esperanças e depois abandoná-las.
O que a aborrecia realmente não era ser usada fisicamente, uma vez que se ela consentisse e fosse bom para os dois, não via grande problema. A questão era ser usada como paliativo emocional, como prémio de consolação.

Ana ficara sobretudo desapontada e chocada com o comportamento da amiga que se dizia tão sua amiga, “uma irmã”, e de repente se desatou a atirar ao seu interesse amoroso... E desiludida com o seu “querido”, que era tão maravilhoso, tão maravilhoso mas se tinha vendido por tuta e meia à sua melhor amiga além de se ter insinuado a mais duas ou três.

“Filhos da puta, os dois”, pensara entre a dor e a raiva, enquanto lambia as feridas de ter sido tão vilmente trocada e se tentava consolar.
“Filhos da puta!, filhos da puta!, filhos da puta!”
O que lhe custava sobretudo era a traição de Clara que ela sempre tinha ajudado, sempre tinha defendido... Em troco de literalmente nada ou quase nada porque Clara era um vortex emocional que tinha de sugar tudo para si mesma. Os problemas de Ana nunca eram realmente problemáticos, e as suas angústias nunca realmente importantes...

O certo é também que Ana morria de inveja de Clara em diferentes aspectos. Embora a achasse uma presumida, frustrada e fútil, a verdade é que esta tinha namorado mais, acabado o curso com melhores notas, tido todos os gajos e amigos que Ana ambicionara, era mais bonita que ela e agora ia casar-se com a pessoa que Ana quisera.

Ana pensou sempre que aquilo não ia dar certo, e pode dizer-se mesmo que o desejou, tendo de alguma forma assim sido também corresponsável da tragédia.
Clara era perita em acabar relacionamentos fantásticos pelas razões mais obtusas (chegou uma altura a acabar com um rapaz porque lhe descobriu uma pintas nos olhos e achou aquilo muito anormal: “os olhos são a parte mais importante para mim, simplesmente não conseguiria olhar para ele todos os dias assim.”)... E David, com aquele ar de carneiro mal morto, tinha a escola toda e gostava de espalhar charme onde quer que estivesse...

Eles tinham tudo para ser infelizes e acabar mal começassem.
Então num gesto de vingança mesquinha, Ana decidiu juntá-los... Mas o tiro saiu-lhe pela culatra... Ou pelo menos era o que parecia até David a ter deixado pendurada na Conservatória do Registo Civil.

Agora estava dividida entre a sanguinolenta sensação de vitória mesquinha e vingança e a compaixão e lealdade pela sua amiga... Ah, claro!: e a culpa...

Tentou outra vez ligar a Clara.


Que bela peça lhes tinha saído este David Brown...



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Do outro lado, ela disse-lhe amenamente:
"Começo a achar que ele pode estar morto."
A resposta dele foi um simples "hmmmmm" enigmático por detrás dos seus omnipresentes óculos de sol.
"Seja como for, quem decide agora és tu..."