domingo, novembro 11, 2007

Capítulo 11 - A gota de água

Foi mais do que podia aguentar. Todo o dia tinha sido um tormento, um vai e vem de itinerários e emoções: exaltações, surpresas desagradáveis e eventos que não compreendia, mas agora que estava em casa e via o pai e a mãe aflitos, à volta do relógio e com o telemóvel na mão, foi mais do que podia aguentar.

Toda a fúria e toda a raiva desapareceram, dando lugar ao vazio que a tomou de assalto.

David tinha desaparecido. Tinha-se ido embora, ao que parecia, tinha-a abandonado sem uma palavra de consideração, uma explicação. Agora, só lhe restava uma imensa tristeza que se abatia sobre ela como uma onda. Não era só o desaforo e a decepção. Finalmente tomava consciência, ao ver os pais e não o noivo como de costume em sua casa, que o seu amor, o seu companheiro, a deixara. A vida que construíra e planeara de forma intensa ao longo dos últimos 3 meses fora inesperada e brutalmente suprimida, sem qualquer aviso prévio. Naquele momento, não era a traição o que mais lhe doía: acima de tudo sentia-se como se tivesse sido esvaziada de conteúdo e não sabia o que fazer à sua vida, porque já não era capaz de a imaginar sem ele.

Começou a chorar baixinho um choro sem lágrimas. Sentia-se tão triste! O choro sem lágrimas desembocou num soluçar que desaguou num pranto sonoro, muito aflitivo para os pais que o presenciavam.

Deixou-se escorregar para o chão onde ficou sentada a carpir a sua dor, enquanto recusava o ombro do pai e o colo da mãe, pedindo só que a deixassem. Aos poucos foi cedendo aos braços da mãe, que mandou sair o pai, e aí ficou até saciar a tristeza e achar que não conseguia chorar mais.

Depois, levantou-se e foi lavar a cara. Quando voltou, disse meiga mas firmemente aos pais que estava bem e agradecia muito o seu apoio, mas que agora queria estar sozinha. Sem lhes deixar qualquer alternativa, prometeu que telefonaria de manhã.

Eles saíram e Clara explicou a si mesma que o David era um monte de merda, que não a merecia e ela sem sombra de dúvida era capaz de arranjar outro bem melhor que ele e sem grande esforço, até.

Não conseguia, no entanto, deixar de pensar como era curiosa a expressão “partir o coração de alguém”, porque era exactamente assim que se sentia ela com aquela dor tão aguda e localizada no peito.

Chorou até adormecer de madrugada, no sofá.


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"A vida é feita de pequenos momentos, muitos desses passados a escrever algo!", diria alguém certa vez... Passaram a correr estes dois anos, com outras escritas, embora sempre com uma palavra amiga a estes nossos amigos nas longas conversas que temos. Sim, já era tempo de deixarmos que as vidas de Clara, David, Bettencourt e companhia limitada seguissem o seu rumo. Your turn!

quarta-feira, novembro 02, 2005

Capitulo 10 - De regresso a casa

A Clara voava pelo trânsito, direitinha a casa! Haviam respostas ali para serem encontradas, ela sabia disso... No meio do metodicismo de David, haveria concerteza uma razão para o relógio de pulso, para o despertador, e mais ainda para aquele maldito relógio de parede!

Na mente dela chegavam ideias nubladas de momentos, de rituais de David, de pequeninas coisas que nunca tinha entendido perfeitamente e que no inebriar de sentimentos turbulentos acabavam por estar um pouco à parte.

Apercebia-se agora da mania de David de nunca se mostrar na rua em qualquer manifestação de carinho, de nunca lhe ter apresentado os pais, de fugir de reuniões sociais muitas vezes sugeridas com os seus presupostos colegas de trabalho.... de se encontrar sempre do lado oposto da camara...
A cada pensamente, cada facto, parecia mais claro que nada daquilo era um acidente, surgia a ideia definida de um plano meticulosamente escrito, de algo insidioso, negro, e acima de tudo com um fim bem definido... Só precisava de achar esse fim!
Surgia aquela raiva que se propaga pelo ar como o cheiro a uma trevoada... quando o ar fica abafado, e quente e a tempestade desaba em cima das pessoas desprevenidas. Como ela tinha sido desprevenida! Estava alí parada na rua, à mercê dos elementos, que lhe tinham enviado tantos sinais! Era a estupidez da sua conduta que a aborrecia agora, a facilidade com que se entregava, a velocidade com que os seus braços encontraram os do David e se deixou conduzir para aquele final...

Mas o final seria apenas quando ela quisesse! Perto da tempestade, ela escolhia enfrentar os elementos, apanhar com a chuva... se ficara alí até agora, não se afastaria sem saber o porquê!

Entrou directamente na garagem e correu escadas acima para o apartamento, mas com a mão nas chaves, acalmou-se subitamente... Nada de mais erros! Seria exactamente como nos filmes: com calma, prestar atenção a tudo... Havia falhas em todas as pessoas e no David também, concerteza.

Colocou calmamente a chave na porta que havia deixado aberta?! Sim, havia deixado aberta, mas estava fechada agora.... seria algum vizinho? Por outro lado, esquecer coincidências e pequenos pormenores tinha-a colocado ali, com a mão naquela chave, junto a uma porta que não devia estar fechada.

Rodou a chave sem fazer barulho e sem medo e mesmo ao abrir a porta, de relance viu o seu pai a afastar-se do relógio aberto!

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Foram uns tempos daqueles! daqueles em que parecemos esquecer-nos de tudo o que não sejam objectivos ilusórios e ficamos inebriados por novas realidades.... Mas o bom filho a casa torna... Afinal, a vida e feita de pequenos momentos, muitos desses passados a escrever algo!

domingo, abril 03, 2005

Capítulo 9 - o pesadelo

Acordou num salto, ofegante a meio da noite com uma dor imensa no peito. Sentia-se constrangida, apertada… Como quem quer gritar mas não pode.

Há quanto tempo era assim? Não se lembrava já e agora sentia que sempre tinha sido compelida a calar-se.

Estava habituada a sufocar o choro, a silenciar os gritos. “O passado está enterrado” e deve permanecer enterrado, era o que se dizia a si mesma.

Ninguém sabia, ninguém. Também ninguém acreditaria nela. Era um segredo demasiado terrível e demasiado sujo.

Deitou-se de lado, com os olhos bem abertos, e fingiu que dormia para não perturbar o sono de mais ninguém.

quinta-feira, fevereiro 17, 2005

Capítulo 8 - 2º interregno: a encruzilhada

Sentou-se em frente ao computador que era novo no fim-de-semana que era curto. Releu tudo o que tinha sido escrito e teve pena que o projecto estivesse parado. Às vezes uma fraqueza estraga tudo.

Tinham 6 personagens

  • Clara, uma romântica inabalável, mas fútil e egocêntrica que tinha sido abandonada na Conservatória no dia do casamento;
  • Ana Bettencourt, forte e determinada mas frustrada e a viver na sombra de Clara;
  • Gonçalo, irmão de Clara acerca do qual não se sabe muito, apenas que é irascível e super protector da mana
  • Os pais de Clara, conservadores. A mãe é uma doméstica frustrada e socialite, e o pai é um “Hot shot” talvez advogado ou arquitecto.
  • David Brown, detective privado, o noivo desertor é um Don Juan, do tipo paradigmático, que usa esse factor a favor do seu ofício.
  • “Contacto”, a cliente de David.


    E tinham uma série de questões pendentes:
    - Porque é que alguém contrataria David Brown?
    - Porque é que o relógio de sala da casa de Clara fora o único que não fora adiantado?
    - Porque adiantou David os relógios, no dia do casamento?


    Embora a história estivesse parada, ela já desconfiava exactamente o que é que se passava naquele cambalacho…

    Por exemplo...
    Porque é que um tipo chamado David Brown trabalharia em Portugal?...

    Decidiu então colocar mais um tijolo na fundação do edifício, ciente que essa atitude poderia custar-lhe o empenho do seu amigo… Respirou fundo, esperando não ser mal interpretada como estando a “chutar” o colaborador que tanto prezava e procurou abrir uma saída naquele beco.

  • sexta-feira, outubro 15, 2004

    A Bettencourt


    sábado, setembro 25, 2004

    Capítulo 7 - Contacto

    O sonho era recorrente: uma mulher roliça já de uma certa idade dizia com um ar muito sério por entre os seus caracóis loiros oxigenados:
    - Ela é sogra da minha filha, mas eu venho aqui com ela porque a gente até ter a terra sobre os nossos olhinhos não sabe ao que chega!

    Acordava invariavelmente estremunhado e perplexo quando tinha este sonho. A mulher estava sentada numa cadeira que parecia ser de uma sala de espera e falava muito compenetradamente com ele... Mas ele não se lembrava nunca de ter visto aquela mulher senão naqueles sonhos bizarros.

    -Irra! Qualquer dia, juro que vou ao psicólogo saber porque raio é que eu sonho com uma gorda loira! Ainda se fosse uma gaja boa...

    Estava a fazer-se tarde, e à medida que o tempo passava, crescia a irritação de David. Achava aquela situação ridícula além do aceitável. Nunca, em tantos anos de detective se vira numa alhada semelhante.

    Levantou-se para sair da Estação e foi quando pedia um táxi que se deparou com o seu contacto, escondido por detrás de um grande jornal, como se se tratasse de um qualquer espião hollywoodesco.

    Dirigiu-se a ela sem rodeios, num gesto de clara retaliação, sabendo o quão desconcertada ficaria. O assunto de que tratava era delicado, tal como as notícias que obtivera, pelo que a sua consciência profissional não lhe permitia divulgar imediatamente o resultado da sua investigação, mas pegou-lhe pelo braço com brusquidão e arrastou-a para o táxi mais próximo.

    Sem grandes cerimónias pregou-lhe um sermão agastado sobre ética contratual e de como aquela não era forma de se tratar fosse quem fosse.
    Os seus olhinhos quase negros olhavam-no como se não tivesse mais de doze anos e houvesse inocentemente cometido uma tropelia idiota.

    “Que criatura deliciosa!” pensou para si mesmo, enquanto lhe dizia de novo as horas que havia aguardado sem notícias suas na estação.

    O “contacto” era na realidade uma mulher intrigante. Cabelos encaracolados e negros, olhos da mesma cor, corpo fino e cara de menina. Dizia que nunca tinha contratado um detective privado antes e que se tinha comportado conforme o que achava que seria correcto enquanto pedia desculpas atabalhoadamente. Era inacreditavelmente nervosa e verborreica. Não se calara um momento desde que entraram-no táxi e David terminou o discurso, e embora fosse ligeiramente irritante, era impossível ficar aborrecido com ela, dada a sua fragilidade patente e a forma como se dava humildemente como culpada.

    “Tudo bem. Uma vez que já perdi o meu avião, não há necessidade para pressas. Vamos ao meu escritório para eu lhe explicar tudo direitinho e lhe entregar as papeladas em condições.”
    “Eu cubro todos os seus prejuízos...”
    David sorriu como quem ouve uma coisa óbvia.

    Pararam em frente a um edifício azul com bom aspecto. David deu prioridade à senhora e pagou o táxi. Acima de tudo era um cavalheiro.

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    Dava voltas tentando justificar o injustificável:
    "Surgiram outras prioridades, tive de fazer outras coisas..."
    Um certo ar de tristeza e desilusão assomou no seu rosto.
    "So sorry..."


    terça-feira, agosto 31, 2004

    capítulo 6 - Interlúdio

    - Um café e um copo com gelo, por favor.
    - Para mim um descafeinado.

    Peguei em mais um cigarro e calmamente acendi-o entre a ponta dos dedos. A primeira passa é sempre a melhor, pelo que fico sempre calado alguns segundos depois , no momento de prazer que aquele vicío doava. Por vezes fico a olhar para o cigarro aceso, a ver se o mato antes da próxima passa, antes do vício chegar.
    Ela, pelo seu lado, dava azo aos seus próprios vícios: observar. Não me sentia minimamente incomodado, era bom saber que não me julgava, e que apenas não conseguia sacudir o que tinha aprendido no curso.
    Por vezes, os cafés eram passados entre galhofa e piadas estúpidas servidas por mim e respostas agudar e divertivas por ela. Outras vezes, era um conversa séria e satizfatória, aquelas que existem mesmo para o fundo da alma, para aclamar a sua fome de ser contrariada, de ser debatida.
    Este era um dos segundos casos e nem precisei que o café chegasse para o saber.O fumo do cigarro surgia em espirais que se confundiam passados breves segundos, mas era o suficiente para capturarem imagens e pensamentos. Era um daqueles prazeres que não é necessário fumar para se saber, e a cara dela revelava isso.

    Talvez estivesse a pensar no próximo capítulo, talvez o fumo do cigarro se misturasse com o fumo do cigarro de Clara, ou com o nevoeiro que poderia surgir na noite de David, ou até mesmo com o metal retorcido, prova de um acidente de talvez uma personagem nova da qual ainda nenhum leitor tinha ouvido falar, nem mesmo eu.
    O empregado voltava, clamamente, para depositar a ordem. Também ele tinha os seus próprios vícios e hábitos, que nós já havíamos detectado: o vício de se enganar sempre para quem era o café, o que tornava o trocar de chávenas um hábito trivial e ao mesmo tempo engraçado.

    A conversa surgia naturalmente, pelo meio de uns goles de café e de alguns rituais que ambos tínhamos enraizados.
    Ela perguntou, escutou, analizou, sugeriu, solucionou, enfim: preocupou-se; e não necessáriamente por esta ordem. A vida tem surpresas: quem diria que tantos anos após nos termos conhecido e depois de tantos anos sem nos vermos poderíamos ser assim amigos?Sim, o facto de se preocupar, honestamente, era o melhor de tudo. Por vezes, em situações específicas, a procura de respostas com alguma ajuda é mais importante que as respostas propriamente ditas.
    O relógio de parede parecia ser um relógio de água e seria concerteza, bem mais adequado. Os ponteiros pareciam deixar cair gotas de preto, que demoravam a formar-se e depois, esborratavam ao de leve os números, apenas para estes reaparecerem novos atrás de si. Este processo demorava algumas palavras, algumas reacções e muito pensamento. Deixemos de contar em termos de tempo, tudo durou dois ou três cigarros.

    Como estava a história? bem, creio eu, ainda não sei bem o que vai acontecer a nenhum deles; não era bem isto que imaginava.Falavamos agora do vício em comum: escrever, e da solução apra essa vício: entregarmo-nos a um conto a dois.Era engraçado chegar aos capítulos novos e ver tudo mudado, a nossa história de pernas para o ar, e ter de repensar tudo de novo. Era, no mínimo, desafiante.

    Ficou a promessa de mais um capítulo para breve, mas desta vez, ela que me perdoe, mas passo a jogada, não por falta de cartas, apenas porque me parece existirem agradecimentos mais importantes a fazer agora.
    Pela atitude, sorriso, preocupação e enfim, amizade, o meu muito reconhecido obrigado.
    E como os ponteiros não param e o futuro reserva algo de muito bom, siga a história.