sexta-feira, agosto 06, 2004

Capítulo 2 - A dúvida


Um calafrio percorreu-lhe a espinha... A porta abria a luz para um quarto irreconhecível...

Foram segundos que se propagaram, pelo meio da surpresa tudo nela trabalhava mais rápido.

Guardou em fotografia a ausência de tudo o que a luz tocava: nenhum casaco pendurado no cabide à direita da porta; mais à frente, a secretáriaevidenciava a falta dos seus livrinhos de apontamentos, do outro lado, nenhum dos cd´s e também o computador havia desaparecido. Ao fundo do quarto, bem iluminado pelo túnel de luz, o fato intacto em cima da cama impecávelmente feito.


Entrou a medo, apertando a chave do carro numa mão, pronta a usar esse último reduto e na outra tentava sentir o seu anel de comprometida. A dimensão desse objecto alterava-se, parecendo agora infinitamente pequeno.


De nada adiantava chamar, apercebeu-se disso ao primeiro passo.

A ausência de todos os objectos de David revelava ainda mais a sua presença: tudo, excepto o que era dele, estava exactamente no mesmo sítio, impecávelmente limpo, geometricamente colocado.

Sempre se tinha admirado dessa característica do David, tão diferente da sua. Era metódico, orgaizado, conciso... tinha um espírito que estava sempre a programar, a fazer planos... Era, até certo ponto, manipulador. Costumava fitar aqueles olhos verdes, sem saber bem o que ele estava a pensar e ainda pior, o que ela devia pensar sobre isso. Aquela aura de mistério que tanto a tinha atraído, assustou-a pela primeira vez, naquele momento.

Olhou para a cama onde repousava o fato, preparado para sair, impecávelmente passado para um encontro a que faltaria.

Parou mais uma eternidade, medida em alguns segundos; não, , não tinha medo da presença de alguém, mas sim da ausência e do que descobriria a partir desta.

Avançou, reparando agora melhor nos objectos que faltavam: os quadros, as pequenas coisas pessoais, ou melhor, impessoais que o David fazia caso de ter, aqui e ali.Deu uma volta rápida ao apartamento, detendo-se em momentos, locais, nas memórias que ainda ali estavam.

Tentava compreender o porquê.

Sim, era indubitável que ele tinha quebrado as promessas que tinham feito de braços nus, com os corpos ainda ofegantes, enrolados um no outro, naquelas alturas em que o cheiro dele penetrava no seu e que se tornava impossível de distinguir.

Estupidamente queria pagar-se da mesma moeda. Procurou na mesinha de cabeceira o seu maço de tabaco que havia deixado há tanto tempo.Foi com um sorriso que acendeu um cigarro, ao mesmo tempo que via os olhos reprovadores dele, naquela mesma cama, com a mão nas suas costas nuas... Nem se lembrava bem das palavras que ele tinha dito, mas agora sabia bem que a tinha convencido a parar, talvez na promessa de mais uns momentos de prazer.

Foi com a primeira passa que veio a primeira lágrima. Não parrou na face, não molhou apenas o canto do olho... Em vez disso percorreu-a rapidamente, rolando por um caminho que conhecia bem.
"Sempre fui demasiado sentimental". Para bem e para o mal, claro. Ria a bom rir, mas também sabia bem chorar...
Passou algum tempo, mais alguns momentos até que da gaveta ouviu o som abafado de um pequeno despertador de pulso. O David tinha o sono leve, quando tinha de acordar, mais uma vez, bem ao contrário do seu.
Teria sido um erro do David ter deixado aquilo ali?
Abriu a gaveta e olhou para ele... Os segundos seguiam-se um após outro, ao ritmo de uma batida do coração. Após uns minutos, os segundos estavam atrasados no relógio das batidas: eram agora duas por segundo, ao mesmo tempo que bem no fundo de si surgia uma dúvida: Porque é que os seus relógios estavam adiantados?
Levantou-se com o relógio na mão, fechou a porta e saiu, mais uma vez com a chave do carro bem apertada na mão, em direcção a casa...

1 Comments:

At 2:14 da tarde, Blogger Helena Martins said...

niiiiiiiiiiiiiice! *inhos

 

Enviar um comentário

<< Home